Clima esquenta com descaso na gestão ambiental
Corte de 95% no orçamento de políticas de combate climática; recorde de queimadas em uma década; maior liberação de agrotóxicos da história; diminuição de 24% no orçamento do meio ambiente. Esses e muitos outros fatos do último ano colocaram o Brasil nos holofotes, mas não de forma positiva, infelizmente.
Dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que entre agosto de 2019 e julho de 2020 houve aumento de 34,5% nos alertas de desmatamento em relação ao mesmo período do ano anterior. Ao todo, foram 9205 km² desmatados, equivalente a 1,1 milhão de campos de futebol. Outras informações do Inpe revelam que o desflorestamento no país foi três vezes superior à meta apresentada à Convenção do Clima na conferência de 2009, em Copenhague, para 2020.
Não apenas o desflorestamento, mas a escalada de medidas com alto potencial de pôr em risco o meio ambiente no país fez aumentar a preocupação de empresas, políticos e entidades sobre como o Brasil tem lidado com questões ambientais. Veja na timeline abaixo.
Como consequência, mobilizações inéditas ocorreram. Grupos de diferentes setores e de diversos lugares do mundo ameaçaram boicotar o país devido ao desmatamento e ao descaso com a Amazônia. Em junho do ano passado, 29 gestores de fundos que administram US$ 4,1 trilhões (cerca de R$ 22 trilhões) em ativos enviaram uma carta a sete embaixadas do Brasil – na Europa, Japão e Estados Unidos –, pedindo uma reunião para discutir o desflorestamento na região. Na mesma semana, 29 deputados do Parlamento Europeu enviaram outra carta ao então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, mostrando preocupação com as ações do governo.
Mais uma mobilização partiu de 70 empresas que juntas concentram 40% do PIB do país. O grupo formado por grandes companhias, brasileiras e estrangeiras, solicitou ao vice-presidente Hamilton Mourão providências para o fim do desmatamento. Em carta, os presidentes de companhias como Microsoft, Alcoa, Vale, Itaú, Ambev e Marfrig demonstraram apreensão com as repercussões negativas das políticas ambientais do atual governo.
Recentemente, no início do mês, grandes supermercados e produtores de alimentos europeus advertiram o Brasil por causa de um projeto de lei que, segundo eles, levaria a um desmatamento maior da floresta amazônica. Em uma carta aberta aos congressistas brasileiros, o grupo com 38 integrantes afirmou que considera “extremamente preocupante” o projeto, conhecido pelos opositores como "PL da Grilagem", em tramitação no Senado Federal e que trata sobre a regularização de ocupação de terras públicas. O grupo é composto por grandes supermercados varejistas como Tesco, Marks & Spencer, Lidl, Sainsbury’s, Co-op, Waitrose e Aldi.
Preocupações em cartas
Os fundos de investimentos têm, nos últimos anos, incorporado novas diretrizes, como o ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), que se tornou uma das principais bandeiras do Fórum Econômico Mundial também. Na visão deles, títulos soberanos brasileiros podem se tornar de alto risco caso não haja mudanças no quesito ambiental.
"A escalada do desmatamento nos últimos anos, combinada com as notícias sobre o desmantelamento de políticas e agências de proteção ao meio ambiente e aos direitos humanos, está criando incerteza generalizada sobre as condições para investir ou oferecer serviços financeiros no Brasil", disse a carta.
Já os deputados do Parlamento Europeu acreditam que "o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental não são mutuamente exclusivos". Os eurodeputados pediram ações aos parlamentares brasileiros "para manter e restaurar as leis e a estrutura necessária para proteger as florestas brasileiras e os direitos dos povos indígenas".
Para o empresariado brasileiro, a percepção negativa tem um enorme potencial de prejuízo para o Brasil, não apenas do ponto de vista reputacional, mas de forma efetiva para o desenvolvimento de negócios e projetos fundamentais para o país.
Dentre as demandas do grupo estão: combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na Amazônia e demais biomas brasileiros; inclusão social e econômica de comunidades locais para garantir a preservação das florestas; adoção de mecanismos de negociação de créditos de carbono; direcionamento de financiamentos e investimentos para uma economia circular e de baixo carbono e outras.
Os supermercados europeus, por sua vez, defendem que a Amazônia é uma parte vital do sistema terrestre e essencial para a segurança do nosso planeta, bem como uma parte crítica de um futuro próspero para os brasileiros e toda a sociedade. Os compradores ainda mencionaram que as medidas adotadas pelo Brasil são contrárias à narrativa vista na Cúpula do Clima, que ocorreu em abril deste ano.
Vale lembrar que o Projeto de Lei que incentivou o grupo a advertir o país propõe alterar a legislação atual sobre a ocupação de terras que não possuem proprietários legais e, portanto, facilitaria que terras públicas desmatadas de modo ilegal se tornem propriedades de quem as utiliza.
Dois pontos importantes do projeto de lei chamam a atenção dos compradores: aumento da data-limite para que ocupantes de terras da União possam pedir a regularização e ampliação do tamanho das propriedades que podem pedir a titulação por autodeclaração, sem necessidade de vistoria presencial do governo federal.
Futuro incerto e perigoso
Embora ainda sejam incertas as consequências das advertências dos grupos citados na matéria, no ano passado, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, alertou, em entrevista à CNN Brasil, que o país teve investimentos proporcionalmente menores que os pares emergentes em razão da política ambiental.
Além disso, o país já sofre bloqueios silenciosos devido ao desmatamento da Amazônia, traduzidos em maiores exigências por parte dos compradores, que aumentam custos e dificultam negociações. A produtora Aline Rossai, da Andrade Sun Farms (Mogi Mirim - SP), por exemplo, não conseguiu vender para um distribuidor alemão por causa dos problemas ambientais no Brasil. Vale lembrar que a Alemanha, junto da Noruega, também foi responsável pela paralisação do bilionário Fundo Amazônia, suspendendo doações para o combate ao desflorestamento.
Do lado de compras, os boicotes também já fazem vítimas. A Grieg Seafood, uma grande produtora de salmão na Noruega, barrou parte das compras de rações para a aquicultura da subsidiária da Cargill sob a alegação de que a companhia tem ligação com o desmatamento da Amazônia.
"Não à toa, economistas começam a ponderar os riscos das mudanças climáticas na economia global, nos quais os bancos centrais deverão suprir as carências dos desastres ambientais para a reativação das economias. Portanto, evitar esses eventos climáticos seria melhor do que combater seus efeitos", escreveu Alessandro Azzoni advogado e economista, especializado em Direito Ambiental Empresarial.
Ainda em 2020, países como Bélgica, Áustria, Holanda e França anunciaram restrições ao acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE), firmado em 2019 após 20 anos de negociação. Importadores boicotaram produtos brasileiros, principalmente, aqueles vindos de áreas desmatadas, e passaram a exigir rastreabilidade do exportador.
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington, acredita que se o governo não mudar a política ambiental, dificilmente o acordo será ratificado. “Existe uma onda verde na Europa, com partidos e ambientalistas ganhando força no continente e nos parlamentos. A percepção lá é que ter política ambiental em relação à Amazônia vai ser muito importante. Ou ajusta a política, ou vai ter que enfrentar restrições comerciais”, afirmou ao Correio Braziliense.
Na visão do ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente Rubens Ricupero, o Brasil está sendo muito imprudente com uma atitude de falsa segurança, achando que, só porque as vendas para a China e para os países asiáticos estão indo bem, isso pode compensar qualquer perda no mercado europeu. “Os asiáticos também estão começando a se preocupar com questões ambientais, e algumas tradings já sinalizaram exigir alguma segurança de que a soja que importam não venha de áreas desmatadas”, alertou ao jornal.
Palavras vs. atitudes
As respostas do governo às pressões internas e externas em relação à proteção ambiental surtiram efeitos rasos. Em julho passado, logo após a carta dos fundos internacionais e do empresariado brasileiro, o governo federal editou um decreto que proibiu as queimadas em todo o país por 120 dias.
O fato, no entanto, não diminuiu as queimadas nos meses posteriores. Desde abril deste ano, a Amazônia bate recordes de desmatamento, segundo dados do Inpe. O mês também foi o pior da série histórica atual, que teve início em 2015.
Além disso, há cerca de 15 dias, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que muda várias regras do licenciamento ambiental. A proposta ainda vai ser analisada pelo Senado, mas é duramente criticada por especialistas.
Segundo eles, o projeto dispensa o licenciamento ambiental para uma série de atividades econômicas, inclusive obras de melhorias de infraestrutura em instalações já existentes, como a ampliação de estradas e, também, para a agricultura e a pecuária.
"A falta de execução de multas e meios apropriados de fiscalização ambiental deixam à solta a ilegalidade na Amazônia, livre para desmatar, garimpar e extrair madeira", escreveu Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
A exportação ilegal de madeira, inclusive, é alvo da operação que investiga Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, suspeito de envolvimento em esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais. Eduardo Bim, presidente do Ibama, também está sendo investigado.
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