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Foto do escritorStephanie Kohn

Corrida pela descarbonização

Atualizado: 25 de abr. de 2023

O que é promessa e o que é objetivo


Se você não está por dentro do que acontece com a temperatura no mundo, iniciamos este texto com um alerta: 2021 é decisivo na luta climática. Em abril, um relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), uma agência da ONU que publica avaliações anuais há 28 anos, chamou o cenário de "aterrador" e a conclusão é definitiva: se a tendência dos últimos três anos continuar, 2021 será outro ano anormal, assim como foi 2020 e 2019 – dois dos três períodos mais quentes da história. O outro foi em 2016.


​​Na cúpula do clima de Glasgow (Escócia), em 2020, os países deveriam ter apresentado planos de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) mais rígidos do que os oferecidos até agora no Acordo de Paris. Mas, quando o ano terminou, apenas 75 dos quase 200 países que assinaram o Acordo de Paris o tinham feito. É por isso que se espera que 2021 seja determinante.


Para não ficar para trás, o governo brasileiro revisou as metas climáticas em abril deste ano, durante a Cúpula do Clima, e a partir de agora o país se compromete a alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Com isso, muitas empresas brasileiras acirraram a corrida pela descarbonização, o processo de redução de emissões de carbono na atmosfera, especialmente de dióxido de carbono (CO2). O problema é que, assim como ocorre em outras áreas, a questão climática também traz complexidades no entendimento, dificuldades nas ações e, principalmente, oportunismos.


No Brasil, das 22 empresas que enviaram o compromisso para a Science Based Targets (SBTi) – iniciativa que promove o estabelecimento de metas baseadas na ciência para a transição para uma economia de baixo carbono –, apenas quatro definiram seus objetivos rumo à descarbonização: Klabin, Baluarte Cultura, EDP e Sabará Participações. As outras, ao menos por enquanto, divulgaram objetivos sem alinhamento científico ou ficaram no âmbito da promessa.


A finalidade da iniciativa é tornar o estabelecimento de metas baseadas na ciência uma prática padrão para que as empresas contribuam significativamente para fechar a lacuna de emissões. A SBTi foi criada e é implementada por quatro organizações parceiras – CDP, Pacto Global das Nações Unidas, WRI e WWF - que atuam coletivamente e globalmente para: 1) elaborar métodos e ferramentas; 2) engajar empresas e apoiá-las no processo de elaboração de suas metas; 3) avaliar e validar as metas; e 4) comunicar dados e informações relativos à iniciativa e às empresas participantes.


Há um critério importante que deve ser observado: as metas adotadas pelas empresas para reduzir suas emissões de GEE são consideradas “baseadas na ciência” quando estão de acordo com o que a mais atual ciência climática determina como necessário para o cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris: limitar o aquecimento global a muito abaixo de 2°C com relação aos níveis pré-industriais e promover esforços para limitar o aquecimento global a 1.5°C.


As companhias comprometidas com esses altos padrões têm o prazo de 24 meses para conseguir a aprovação e divulgação de suas metas pelo SBTi ou são retiradas do site. "Atualmente o grande parâmetro do mercado é o SBTi. Assumir compromissos no âmbito de metas baseadas em ciências é o que separa as companhias realmente engajadas das demais", analisa Gustavo Pinheiro, Coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade em entrevista ao Economeaning.




Uma meta para chamar de sua

A EDP, uma das quatro empresas brasileiras com objetivos definidos, assumiu o compromisso de reduzir a intensidade de emissões em 85% até 2032, comparando com os níveis de 2017. "Estabelecemos 5 metas de redução para direcionar os esforços a curto prazo. Exemplos dessas metas são a redução de perdas técnicas e comerciais e a eletrificação da frota leve. As metas de médio-longo prazo são mais estruturantes e estão relacionadas com as da Science Based Target", explicou Dominic Schmal, gerente executivo de sustentabilidade da EDP no Brasil em entrevista ao Economeaning.


Mesmo com reduções significativas, ainda existem as emissões excedentes que a EDP não conseguirá reduzir no âmbito dessas metas. "As emissões residuais das empresas são aquelas com grande dificuldade técnica de redução como, por exemplo, a emissão fugitiva SF6 em disjuntores [tipo de emissão não intencional e que parte de tubulações, vazamentos e até de dutos subterrâneos], essas poderão ser compensadas através de projetos de créditos de carbono para chegarmos no carbono neutro", disse.


Já na Klabin, todas as metas relacionadas à sustentabilidade da companhia foram lançadas em dezembro de 2020 com o nome de Kods (Objetivos Klabin para o Desenvolvimento Sustentável), um conjunto de compromissos de curto (2021), médio (2025) e longo prazo (2030), que norteiam a Agenda Klabin 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Tais compromissos foram mapeados a partir da adequação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, os famosos ODS.


Entre os objetivos estão: reduzir a participação de combustíveis fósseis para garantir uma matriz energética, no mínimo, 92% renovável; zerar destinação de resíduos industriais para aterros; captura líquida de 45 milhões de toneladas de CO₂eq da atmosfera entre 2020 e 2030, e 100% dos fornecedores críticos contemplados pelo Programa de Gestão Sustentável da Cadeia de Fornecimento.


"Nossas metas, alinhadas com a Science Based Targets Initiative (SBTi), foram aprovadas este ano e com isso nos comprometemos a reduzir as emissões próprias e de energia comprada por tonelada de celulose, papéis e embalagens em 25% até 2025 e em 49% até 2035", afirmou Júlio Nogueira, gerente corporativo de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Klabin ao Projeto Draft.


Segundo o coordenador do Instituto Clima e Sociedade, cada companhia tem sua particularidade e a forma de implementar as regras são diferentes, mas as metas em si podem ser observadas de forma horizontal. "A ciência nos indica reduzir as emissões até 2030 e zerar até 2050. Como cada uma vai chegar lá é que varia. Tem setor com tarefas fáceis e outros que terão que investir mais, apostar em novas tecnologias ou até reinventar seus negócios. Petróleo e gás é um que vai precisar evoluir para energias renováveis e vai ter que se transformar radicalmente", comentou.



Crédito de carbono: um assunto à parte

Assim como a EDP, algumas empresas recorrem ao crédito de carbono para compensar suas emissões. No caso da empresa de energia, apenas uma parcela de seus esforços está contando com isso, mas, em outros, praticamente toda emissão é compensada com compras de crédito – o que para alguns não é o ideal.


"Acreditamos que seja uma alternativa [comprar créditos de carbono], visto que representam uma não emissão de gases do efeito estufa na atmosfera. Entretanto, não deve ser o único caminho porque podem passar a impressão de que basta comercializá-los e continuar a poluir. É preciso um equilíbrio para que a função dos créditos de carbono não seja desvirtuada", esclareceu Schamal.


Antes de entrar no mérito é preciso entender esse complexo mercado. ​​Em poucas palavras, o crédito de carbono – que corresponde a uma tonelada de CO2 equivalente a gás carbônico ou outro gás gerador do efeito estufa – funciona assim: quem emite pouco ou desenvolve iniciativas que evitam a emissão pode vender créditos para quem passou da cota. Ou seja: empresas que ultrapassam esse teto de emissões podem negociar créditos com empresas que não atingiram esse limite. Atualmente, o mercado de créditos de carbono é dividido em dois: o regulado e o voluntário.


O regulado foi estabelecido pelo Protocolo de Kyoto — acordo internacional assinado em 1997 – e define que os países que passarem de sua cota de GEE comprem créditos daqueles que ficaram abaixo do teto. Isso pode ocorrer de empresa para empresa, já que cada país determina as regras de emissão para cada setor, inclusive envolvendo países que não possuem cotas de redução, por meio do MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo).


Por esse mecanismo, a redução da emissão de gases por projetos implementados em países em desenvolvimento gera créditos de carbono chamados de “Reduções Certificadas de Emissão” (RCE). E esses créditos podem ser comprados por empresas para cumprirem metas de redução de emissões ou compensar emissões ocorridas.


O MDL permite que países como o Brasil vendam créditos de carbono gerados a partir de projetos que reduzem emissões. A construção de uma usina eólica brasileira, por exemplo, evitará a emissão de toneladas de carbono que seriam geradas por uma fonte não limpa. Isso significa créditos de carbono que podem ser vendidos em outros países.


O mercado voluntário, que está em atividade no Brasil, é aquele em que qualquer pessoa ou empresa pode comprar créditos de carbono — regulamentados ou não — para compensar a poluição que gera. Esse mercado vai desde pequenas empresas que entregam certificados digitais aos compradores e plantam árvores com o dinheiro arrecadado, até grandes transações de ativos em bolsas de valores pelo mundo, representando a proteção de milhares de hectares de floresta.


"No mercado voluntário, as certificadoras [que garantem que os projetos de compensação de carbono são idôneos] acabam tendo a questão do conflito de interesse [por serem contratadas pelas empresas que querem vender seus RCE], mas mesmo as certificadoras íntegras têm limitações. Isso porque são certificações em nível de projeto e não de um mercado inteiramente regulado pelas mesmas regras. Ocorre que um projeto pode proteger um espaço, mas não garante problemas em outros. Por exemplo: entre 2004 a 2012 diminuiu o desmatamento na Amazônia, mas aumentou no Cerrado. No mercado regulado, os padrões são muito mais rígidos por serem aplicados a todo o país", explicou o coordenador do Instituto Clima e Sociedade.

"Ar quente" e polêmicas

Outro ponto importante é que os créditos no mercado voluntário dificultam a avaliação da integridade ambiental dos ativos. Gustavo ressalta a importância de saber a origem do projeto para garantir se realmente houve captura de carbono ou apenas "hot air', jargão usado no meio para definir projetos que geram "ar quente" no meio ambiente e sem benefício climático real. "Os créditos de hidrelétricas são um bom exemplo. Foi descoberto, depois da criação do MDL, que hidrelétricas em regiões como o Brasil emitem metano se inundam florestas e esses créditos ainda estão rodando, apesar da baixa integridade", lembrou.


Para Maurício de Moura Costa, presidente da BVRio, realmente no mercado voluntário é mais difícil de garantir a robustez e fugir do greenwashing (a maquiagem das ações sustentáveis), mas, ao olhar a meta, o prazo de atingimento, fornecedores, e emissões de escopo 3 [emissões indiretas que ocorrem ao longo da cadeia], dá para ter uma ideia melhor sobre o projeto. De qualquer forma, segundo ele, o mercado de crédito de carbono é positivo.


"A discussão de que o crédito de carbono é ruim, pois dá a impressão de que podem continuar a poluir, é um debate antigo e ignora critérios e elementos importantes da economia. A lógica econômica é a seguinte: existe uma ameaça global e o mundo inteiro tem que ter uma solução, não é empurrar para o outro a responsabilidade. A conta global do custo de abatimento é uma fração do custo de abatimento interno", observou em entrevista ao Economeaning.


A CEO da Ecosecurities, Mariama Vendrami, acredita que o crédito de carbono não é uma bala de prata na questão climática e não será uma resolução única do problema. No entanto, no mercado voluntário, as metodologias e padrões têm que se tornar ainda mais consistentes. "Começamos nos baseando em projetos e agora vamos ser mais abrangentes. Há integridade ambiental, não podemos inviabilizar o que foi feito até aqui, mas é necessário entender que estamos no caminho do amadurecimento", comentou ao Economeaning.



Brasil regulado

Fato é que o Brasil caminha para se tornar um mercado regulado. O Projeto de Lei 528/21, que tramita na Câmara dos Deputados, prevê a criação do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), que vai regular a compra e venda de créditos de carbono no país.


A proposta regulamenta os principais pontos do novo mercado, como natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono. E também fixa um prazo de cinco anos para o governo regulamentar o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE. O texto ainda institui um mercado voluntário de créditos de carbono, que se destina à negociação com empresas ou governos que não possuem as metas obrigatórias de redução de GEE, mas desejam compensar o impacto ambiental das suas atividades.


"A partir de 2023 a União Europeia vai iniciar a primeira fase de uma taxação de produto importado que não esteja cumprindo requisitos [de emissão de GEE] e estará totalmente em funcionamento por volta de 2026. Assim, acredito que a regulação deve ser implementada antes da data para proteger nossas exportações e para podermos ofertar créditos aos mercado regulado", finalizou Gustavo.


Segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a justificativa da taxa de carbono, ou “mecanismo de ajuste de carbono na fronteira” (CBAM, na versão em inglês), disse que “é preciso reduzir as emissões de CO2 no mundo, não apenas na Europa”. A previsão é de que quando a taxa estiver plenamente funcionando, a UE arrecade € 10 bilhões por ano.



Mercado em números e frações

Para Tim Adams, diretor-executivo do Instituto de Finança Internacional (IIF, na sigla em inglês), o mercado de crédito de carbono voluntário tem um “elevado potencial de crescimento”. À rede CNBC, ele disse que o setor poderia chegar a US$ 100 bilhões ao ano até 2050.


Isso porque políticos e empresários estão sob intensa pressão para cumprir as promessas feitas no Acordo de Paris, antes da COP 26, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, que está marcada para novembro, em Glasgow, Escócia. Recentemente, inclusive, Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets (TSVCM – Força-Tarefa para Escalonar o Mercado de Carbono Voluntário, em tradução livre) publicou a segunda fase do plano para criar um mercado de carbono em grande escala e transparente.


Embora Adams acredite que o mercado voluntário pode crescer 10 vezes, a TVCM vai além. Na visão do órgão, seria preciso ampliar o setor na ordem de 15 vezes para que se pudesse cumprir as metas climáticas estabelecidas no acordo de Paris.

Pegada PF

De olho nessa alta, surgem novas ferramentas para gerar e comercializar os créditos de carbono. Essas alternativas permitem que até mesmo pessoas físicas compensem sua pegada de carbono e se exponham no mercado.


A plataforma MOSS, por exemplo, opera com a venda de créditos de carbono utilizando tokens digitais para representar a propriedade de um determinado ativo. A startup compra créditos de projetos de preservação de áreas na Amazônia, devidamente selecionados, e os revende por meio de uma plataforma. Ela funciona como uma espécie de “carteira sustentável”, pois, ao contrário do que acontece nas negociações entre empresas, os créditos não precisam ser imediatamente compensados.


Segundo Fernanda Castilho, general manager da MOSS, os ativos adquiridos pelos investidores podem ser guardados em uma carteira digital. Quando eles decidem que é hora de vender seus créditos, chamados de MCO2 (Moss Carbon Credit), a negociação ocorre de maneira similar à de criptomoedas e outros tipos de ativos digitais. "Colocamos o ativo em blockchain. É mais transparente, seguro e é possível fracionar o crédito e compensar até uma blusa que você comprou", disse em entrevista ao Economeaning, em referência a uma parceria feita com as lojas Hering.


“A liquidez se dá pelas exchanges nas quais o token é negociado, diretamente ligada à oferta e demanda dos ativos”, explica. "Já compensamos quase 900 mil toneladas de CO2 e transacionamos cerca de 13 milhões de dólares em ativos de carbono certificado, decorrentes de projetos que trabalham na conservação do meio ambiente", concluiu. Outros clientes da startup são iFood e Gol.


Ainda que o modelo de negócio seja atrativo, especialistas alertam para o problema da falta de integralidade ambiental em projetos oferecidos por empresas como a MOSS. Portanto, é preciso ir fundo nos detalhes. Outro ponto ressaltado é o uso de uma simetria irreal de preço. No caso da MOSS, os créditos de carbono são precificados de acordo com o valor de mercado e atualmente usam como parâmetro o Coingeko.


Atualmente o MCO2 está em torno de R$ 30. Para efeito comparativo, na União Europeia, em maio, o crédito de carbono atingiu seu recorde de 50 euros por tonelada e especialistas prevêem pico de 75 euros até o final deste ano.


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